DECLARAÇÃO À NAÇÃO

"Jormalismo", música, artes em geral, crítica cotidiana, política, esportes, talvez nessa ordem de prioridades. Algo sintético, breve, objetivo, mas sem restrições. Sejam bem-vindos, e aproveitem para comunicar-se livremente.

Mais do mesmo assunto no primeiro post deste blog

domingo, 21 de março de 2010

HOJE ALGO PRECISA SER DITO - SOBRE FUTEBOL NOVAMENTE

Hoje algo precisa ser dito. E por mais pessoal que pareça, quero com isso discutir uma situação mais geral, que parece corroer nossa sociedade de uma forma que todos parecem ver e sentir, mas como de costume faz com que todos pareçam se acomodar e adaptar a tais coisas sem dar ao menos a chance de se pensar se é certo ou errado que se continue assim. Falo aqui do comportamento padrão do torcedor de futebol no Brasil, em São Paulo especificamente.


Sendo torcedor do São Paulo F.C., e acompanhando o futebol desde a tenra infância, comecei a usar as novas tecnologias para me associar e aproximar de torcedores do mesmo time, algo simples nos dias de hoje com as redes sociais pela internet. Contudo, me intrigou profundamente nessa rede a partir da metade do ano de 2008 um absoluto radicalismo de opiniões a respeito do então técnico do time, Muricy Ramalho. Eram opiniões por demais contundentes e até mesmo agressivas, ditas num momento completamente ilógico, pois o time estava em ascensão no ano, saindo de uma condição em que tinha 1% de chance de conquistar (mais um!) título do Brasileiro para uma liderança então iminente.

Mas tudo que era dito ali contrariava qualquer bom senso, e por mais que se argumentasse ninguém com opinião diversa era ouvido. Pensei que isso era um sintoma restrito aos abonados e desocupados internautas que se dedicavam a se expressar em tal comunidade, visto que eram mesmo representantes das classes econômicas mais altas do país. Foi quando começaram a surgir manifestações de pessoas de classes mais baixas, notadamente ligados a torcidas organizadas e que escreviam de maneira quase tão incompreensível do que quando falam.

A partir daí, visto que o comportamento geral ali era de histeria e ignorância por todo lado, senti que aquelas opiniões não podiam ser associadas a mim. Portanto, pensei por bem me desfiliar de tal comunidade para que pudessem dizer o que quisessem sem que eu tivesse a preocupação de que estaria sendo conivente com aquilo ou que pudessem tomar tudo ali como minha opinião, pois a partir do momento em que compactuo com isso me mantendo entre eles, eu seria no mínimo cúmplice do que era dito.

Não quero com isso dizer que eu era melhor que eles, como se estabelecesse uma barreira, mesmo sabendo que inconscientemente estabelecemos uma divisão entre todos nós. Só damos a ela maior ou menor importância conforme nossa sociabilidade e educação para a tolerância mútua, até porque essas divisões também existem na sociedade de forma mais ou menos explícita. Essa separação entre “eles” e “nós” é, por exemplo, cada vez mais evidente nos estádios.

No caso particular do Morumbi, estádio do São Paulo F.C., há o setor laranja, onde ficam as organizadas, e o azul, onde ficam os “sócio-torcedores”. Os próprios torcedores e até a imprensa lembram de tempos em tempos o quanto ambos divergem de opinião, de que um lado seria mais moderado e outro mais radical, etc, como que querendo embasar a flagrante diferença social entre eles. Em muitas ocasiões, chegou-se inclusive à troca de ofensas mútuas durante o jogo entre espectadores dos dois setores.

Há um caso recente no clube que pareceu reacender essa divisão, a discussão sobre a suposição de que o volante do time Richarlyson seria homossexual e o quanto isso atrapalharia desde o desempenho do time até a auto-estima dos torcedores, frequentemente associados a símbolos que (principalmente na nossa cultura) são alusivos a tal comportamento. Por muito tempo, as posturas adotadas por ambos os lados pareciam estanques e definidas: de um lado, os organizados se colocavam explicitamente contra sua presença no time, enquanto no setor azul os torcedores diziam que isso era um “absurdo” que depunha contra o clube, que apoiavam seu futebol, etc.

Hoje, essa divisão não existe mais. Os que o defendiam da boca pra fora, bradam xingamentos de canto de boca a cada erro de execução da parte do jogador. Os que o atacavam tentam, mesmo que timidamente, aceitá-lo como parte do time, entoando seu nome entre os demais, mas também mantendo inerte um comportamento agressivo a respeito dele que a qualquer momento está pronto a explodir em violência não apenas sobre ele, mas sobre todos os que “pertenceriam” á mesma turma.

Não sei o quanto um estádio potencializa esse tipo de comportamento mais impulsivo da parte de pessoas que, teoricamente, poderiam ser consideradas “bem educadas”, assim como há teorias a respeito de como o trânsito pesado do dia-a-dia modifica o caráter dos condutores. Talvez seja a questão do estar em grupo, fazer parte de uma massa de pessoas e assim sentir-se mais poderoso e propenso a ir além dos limites que o cotidiano impõe, pois todo comportamento “condenável” no dia-a-dia pode ser tolerado e até exaltado nesse ambiente. Ou seja, o estádio e seu entorno seriam lugares que permitem tudo, e em nome da “honra” do time, poderia-se estender tal comportamento para além desse ambiente, daí os confrontos que hoje ocorrem numa distância cada vez maior dos estádios.

Essa pode ser uma linha a se seguir, visto que também por muito tempo pensou-se que a internet, e as redes sociais nela inseridas, também eram lugares desregulados, onde valia tudo, onde também se pensava que as regras sociais cotidianas poderiam ser transgredidas sem pudor e sem dor na consciência, daí a exposição tão explícita de pedófilos e comportamentos sexuais de todo tipo. Uma situação cotidiana vista recentemente vai de encontro a esse dado, a partir de uma conversa banal num shopping de São Paulo, onde um rapaz com camisa do Corinthians conversava com um trabalhador do local a respeito das “façanhas” do time, do seu espírito “guerreiro”, de como no jogo seguinte iria “arrebentar” novamente o referido adversário, etc.

Mas o que mais chamou a atenção foi quando o rapaz disse que passou por uma situação de “risco” por ali, exultando por ter passado no meio de um “bando” de pessoas com camisas do São Paulo F.C. como se tivesse cruzado linhas inimigas, e que estranhou o fato porque “nem era dia de jogo” pra que eles estivessem ali “vestidos desse jeito”, para depois também bradar que “nós tem (sic) uma estação pra nóis (sic!!) e eles não” e que “lá em Itaquera eles não iam estar (sic!!!) desse jeito”. Essa sua expressão, infelizmente, é padrão para muita gente. Essa idéia de que estamos em meio a uma “guerra” declarada, que é aberta em dias de jogo seja lá onde for, é lugar-comum hoje e algo sentido até por quem não está diretamente envolvido nas “batalhas” por “marcação de territórios” imaginários.

É quase como se vivessem num mundo paralelo, num gigante RPG que não tem fim em si mesmo, apenas segue em direção a um nada do qual não querem nem saber de questionar ou sair, como se as coisas fossem definitivamente dessa maneira e ponto. E isso acaba sendo potencializado por uma mídia também cada vez mais ignorante e inconsequente, desde o comercial que mostra como trabalhadores “comuns” se vêem transformados em “guerreiros” na simples junção dos elementos futebol-cerveja até as manchetes ufanistas e exultantes dos diários, visto que muita gente nos dias de hoje lê apenas tal manchete no caminho para o trabalho, tomando aquilo como sua tradução da realidade. Há de se ter uma responsabilidade maior sobre o que se expressa, não como uma forma de censura ao que é feito, mas para se trabalhar a sociedade de uma forma mais construtiva que destrutiva, pois como já foi dito muitas vezes uma parte do todo é tomada como verdade absoluta e levada adiante sem que haja discernimento da parte do receptor. É preciso que ele veja que toda questão apresenta múltiplos pontos de vista e que sua verdade pode não ser a verdade do outro.

Posso dizer, por exemplo, que li 3 opiniões diversas a respeito de um jogo visto recentemente que divergem da visão que eu tive da partida, ao mesmo tempo que alguns aspectos do ponto de vista deles convergem com os meus. Isso é de certa forma um reconhecimento da minha parte ao fato de que vivemos em sociedade, e de que ela tem seus próprios meios para que eu mostre meu contentamento ou descontentamento com ela. A partir do momento em que pareço viver sem considerar isso, a chance de cair nesse “mundo paralelo” em que parecem viver muitos torcedores é grande. Mas a ignorância não pode e não deve imperar na nossa sociedade, nem no futebol nem em parte alguma. Resta saber quais os comportamentos que todos nós iremos adotar para que cheguemos a esse objetivo.